quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Igreja revê seus conceitos ou permanece sempre a mesma?

Nem tudo que a Igreja Católica considera como pecado está escrito na Bíblia. A Bíblia foi escrita numa outra época, em outra realidade. A Igreja revê seus conceitos ou permanece sempre a mesma?
(Márcia, 35 anos)

Cara Márcia,
Obrigado pela visita ao blog e pela pergunta!

Realmente, sua pergunta é muito interessante e daria uma boa e longa conversa. No entanto, dispondo de pouco espaço por aqui, tentarei fazer algumas observações que, penso, poderão lhe ajudar a aprofundar sua reflexão. Continuo, no entanto, aberto para receber outras dúvidas suas que possam nascer desse meu primeiro comentário.

Antes de lhe dar uma resposta, você faz duas afirmações que precisam ser consideradas com muita atenção. Isso porque, embora tragam algo de verdadeiro, podem gerar confusões se não forem bem compreendidas.

1. "Nem tudo o que a Igreja considera como pecado está escrito na Bíblia."

Sim. Isso é verdade, em parte. E por dois motivos. O primeiro deles é que a religião católica não é fundamentada apenas na Palavra de Deus escrita (Sagrada Escritura), embora a tenha em especialíssima consideração, como Palavra de Deus revelada! Um importante documento da Igreja nos explica como se dá a Revelação de Deus e o papel da Sagrada Escritura nesse processo:

"O Cristo Senhor, em quem se completou toda a revelação de Deus altíssimo (cf. 2Cor 1,20), comunicou aos apóstolos os dons divinos e os encarregou de pregar a todos o Evangelho prometido aos profetas, por ele cumprido e promulgado por sua própria boca, como a fonte da verdade salutar e a expressão da correta maneira de viver.

Essa disposição foi fielmente cumprida. Primeiro pelos apóstolos que haviam aprendido diretamente com as palavras, o convívio e a atuação de Cristo e pela ação do Espírito Santo o transmitiram pela pregação, pelo exemplo e pelas instituições que criaram. Depois, pelos apóstolos e homens apostólicos que, sob inspiração do mesmo Espírito Santo, escreveram a mensagem da salvação.

Para conservar o Evangelho íntegro e vivo na Igreja, os apóstolos deixaram os bispos como seus sucessores, transmitindo-lhes o lugar que ocupavam no magistério. Esta Tradição sagrada, juntamente com a Escritura dos dois Testamentos são o espelho em que a Igreja peregrina contempla Deus, de quem tudo recebeu, enquanto não chega a vê-lo face a face (cf. 1Jo 3,2)." (Constituição Dogmática Dei Verbum, 7)


2. "A Bíblia foi escrita numa outra época, em outra realidade."

Com essa sua segunda afirmação, praticamente, você mesma responde à sua primeira objeção. Quero dizer que exatamente porque a Bíblia foi escrita dentro de um contexto específico, é que ela não pode trazer uma "lista com os pecados da atualidade". No entanto, na Sagrada Escritura, encontramos princípios divinos muito claros que nos permitem nos posicionar diante das novidades de nosso tempo. Um exemplo? A Sagrada Escritura não fala do procedimento da eutanásia, mas defende o inquestionável valor da vida humana que, porque dom do Criador, deve ser defendida em todas as suas expressões.

Mas essa sua segunda afirmação, ainda carece de uma precisação para não ser mal interpretada. O fato da Sagrada Escritura haver sido escrita em um outro contexto, não quer dizer que ela não possa falar aos homens de hoje. Ela é sempre Palavra de Deus! Afinal de contas, o próprio Senhor nos recorda que "céus e terra passarão, mas as minhas palavras não passarão." (Mt 24, 35). É certo, porém, que temos o dever e a necessidade de interpretar aquilo que foi escrito há tanto tempo atrás. Por isso, mais uma vez, volto a lhe recomendar a leitura do importante documento do qual falei acima e, do qual agora, lhe apresento mais alguns trechos importantíssimos:

"Tendo Deus nos falado por intermédio de homens e à maneira humana, aquele que interpreta as Escrituras, para saber o que Deus nos quis comunicar, deve pesquisar com atenção o sentido visado diretamente pelo autor sagrado e o que Deus entendia manifestar por tais palavras.

Para saber o que o autor sagrado queria dizer, considerem-se, entre outras coisas, os gêneros literários. A verdade se propõe e se exprime diferentemente nos diversos textos históricos, proféticos, poéticos ou de qualquer outro gênero. É indispensável que o intérprete procure saber, levando em consideração as circunstãncias de tempo e de cultura em que escrevia o autor sagrado, qual dos gêneros literários quis usar ou usou para se exprimir, dentre os que eram correntes em sua época.

(...) Finalmente, como a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada no mesmo Espírito com que foi escrita, para entender corretamente o sentido dos textos sagrados ,não se pode desprezar o conteúdo e a unidade de toda a Escritura, nem deixar de levar em conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé.

(...) Tudo, porém, que se refere ao modo de interpretar as Escrituras depende, em última análise, do julgamento da Igreja, que por disposição divina, desempenha o ministério de conservá-las e interpretá-las." (Constituição Dogmática Dei Verbum, 12)



3. "A Igreja revê seus conceitos ou permanece sempre a mesma?"

Assim, tendo considerado o que dissemos acima, chegamos, finalmente, à sua pergunta. E a resposta depende do que você quis dizer com "rever seus conceitos". Se isso significa mudá-los, a resposta então é não. Isso porque a Igreja conserva não conceitos seus, mas a Palavra de Deus revelada. O que a Igreja revê continuamente (e isso faz parte de sua missão!), é a forma de anunciar ao homem moderno os princípios divinos. Dessa forma, respondemos à segunda parte de sua pergunta: ao mesmo tempo em que está em constante e necessária mudança, a Igreja permanece sempre a mesma.

Espero ter lhe ajudado a compreender um pouco mais a nossa belíssima fé católica. Como lhe disse anteriormente, continuo aberto a outras dúvidas que possam surgir.

Com afeto salesiano,
Pe. Mauricio Miranda.

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