quinta-feira, 29 de maio de 2008

Misericórdia de Deus - Parte 2


Encerramos a postagem anterior - onde tratamos sobre o significado da palavra misericórdia - dizendo que nada mais justo de que aplicar esse conceito, por excelência, a Deus. Sim, ninguém é, na acepção mais exata do termo, misericordioso como Ele o é.

E como podemos chegar a essa conclusão? Em primeiro lugar pela fé que nos leva a reconhecer que Deus é misericordioso por que foi assim que Ele se revelou a nós ao longo de toda a história da Salvação, sobretudo, quando por amor, enviou seu próprio Filho para nos salvar (cf. 1 João 4,9).

A partir da fé que professamos, também não cessamos de fazer a experiência da misericórdia de Deus no dia-a-dia de nossa vida, onde sentimos que Ele está muito próximo de nós e, por isso, bem sabe tudo quanto passa em nosso coração. Um terceiro motivo que nos leva a reconhecer que Deus é misericórdia é o testemunho que a própria história nos dá de tantas pessoas que fizeram a mesma experiência dele.

Quero, hoje, me fixar na experiência que o povo de Israel fazia da misericórdia de Deus, já que era assim que o "Deus dos deuses e Senhor dos Senhores" (cf. Salmo 136,1) se revelava a eles. Ontem, encerramos a postagem com a oração de um salmo. Agora, convido-lhe a iniciar a reflexão de hoje com a oração de outro. Vamos lá?


Salmo 136 (135)

1 Dai graças ao Senhor , porque ele é bom,
porque eterna é a sua misericórdia!

2 Dai graças ao Deus dos deuses,
porque eterno é a sua misericórdia!
3 Dai graças ao Senhor dos senhores,
porque eterna é a sua misericórdia!
4 Só ele fez grandes maravilhas,
porque eterna é a sua misericórdia!
5 Fez os céus com sabedoria,
porque eterna é a sua misericórdia!
6 Firmou a terra sobre as águas,
porque eterna é a sua misericórdia!
7 Fez os grandes luminares,
porque eterna é a sua misericórdia!
8 O sol, para presidir o dia,
porque eterna é a sua misericórdia!
9 A lua e as estrelas, para presidirem a noite,
porque eterna é a sua misericórdia!

10 Feriu os primogênitos do Egito,
porque eterna é a sua misericórdia!
11 Tirou Israel do meio deles,
porque eterna é a sua misericórdia!
12 Com mão forte e braço estendido,
porque eterna é a sua misericórdia!
13 Dividiu ao meio o mar Vermelho,
porque eterna é a sua misericórdia!
14 Por ele fez passar Israel,
porque eterna é a sua misericórdia!
15 Precipitou o Faraó e seu exército no mar Vermelho,
porque eterna é a sua misericórdia!
16 Conduziu seu povo pelo deserto,
porque eterna é a sua misericórdia!
17 Feriu grandes reis,
porque eterna é a sua misericórdia!
18 Abateu reis poderosos,
porque eterna é a sua misericórdia!
19 Seon, rei dos amorreus,
porque eterna é a sua misericórdia!
20 Og, rei de Basã,
porque eterna é a sua misericórdia!
21 Deu a terra deles em herança,
porque eterna é a sua misericórdia!
22 Em herança a Israel, seu povo,
porque eterna é a sua misericórdia!
23 Em nossa humilhação lembrou-se de nós,
porque eterna é a sua misericórdia!
24 Livrou-nos dos adversários,
porque eterna é a sua misericórdia!

25 Dá alimento a toda criatura,
porque eterna é a sua misericórdia!
26 Dai graças ao Deus do céu,
porque eterna é a sua misericórdia
!


O Salmo 136 é um hino à misericórdia de Deus. É um reconhecimento que Deus é, de fato, misericordioso. Era assim que Deus se manifestava à Israel, era assim que Israel o via. O Salmo 136 é denominado na tradição judaica como o Grande Hallel (o Grande Louvor). Era com ele que o povo louvava a Deus por ocasião da páscoa judaica. Enquanto este salmo era tido como o Grande Louvor, os salmos 113 a 118 constituíam o Pequeno Hallel.

De fato, a única intenção do autor dessa belíssima oração é a de proclamar que Deus é misericordioso, ou seja, que Ele se aproxima de tal forma do coração humano que compreende tudo que ali se passa e, que por isso mesmo, nunca deixa o ser humano só, está sempre ao seu lado, junto dele, em todas as circunstâncias da vida. O reconhecimento da misericórdia de Deus é tão intenso que é repetido 26 vezes ao longo do salmo, uma vez a cada versículo: "eterna é a sua misericórdia"! Como os salmos se tratavam de canções do povo de Deus, certamente essa proclamação era tomada como um refrão que era repetido por todo o povo, assim que o solista proclamasse cada estrofe. Podemos até imaginar o povo reunido em assembléia e a cada invocação do solista, todo o povo repetindo, em forma de canção: "porque eterna é a sua misericórdia!"

Outro fator interessante para ser observado é a estrutura geral do salmo. Muitas vezes, corremos o risco de achar que os salmos foram escritos "de qualquer maneira"... Não! São canções, são obras literárias! Um verdadeiro músico sabe o quão difícil e empenhativo é compor uma canção! Note que o Salmo 136 é dividido em duas grandes partes: a primeira contempla os versículos 2 a 9 e, a segunda, os versículos 10 a 24. Vamos refletir um pouco sobre cada uma delas?

Primeira parte: versículos 2 a 9

Note que essa parte, o salmista dedica para reconhecer que toda a criação é, em si, um sinal da misericórdia de Deus. Curiosos são seus dois primeiros versículos:

2 Dai graças ao Deus dos deuses,
porque eterna é a sua misericórdia!
3 Dai graças ao Senhor dos senhores,
porque eterna é a sua misericórdia
!

No fundo, o salmista parece estar querendo dizer que apesar da grandeza imensa de Deus (é o Deus de todos os deuses, é o Senhor de todos os Senhores!), Ele é misericordioso, ou seja, entende o que sente o coração humano porque está muito próximo dele... Aqui já está uma grande lição para nossa vida! Não podemos nos esquecer dessa verdade, pois há muitas pessoas que sentem Deus muito distante de sua vida, justamente porque possuem dele a imagem de alguém "inatingível"... De fato, Ele é grande! Mas na sua grandeza, se inclina para ficar bem junto de nós... Que maravilha! Não há como o nosso coração não se alegrar e respondermos juntos com o povo: "sim, eterna é a sua misericórdia!"

Nos versículos 4 a 9, o salmista recorda a maravilha da criação e, a cada recordação, a assembléia é chamada a reconhecer nisso a misericórdia do Senhor. E por que? Porque, de fato, Deus criou o mundo por amor a nós. É assim, aliás, que o autor de Gênesis se expressa quando narra a criação: "E Deus viu que tudo era bom..." (cf. Gn 1,31).

Mas ainda podemos nos perguntar porque, nessa primeira parte, o salmista não reconhece a misericórdia de Deus na criação do homem e da mulher. E por que será? Fácil! Em primeiro lugar porque se subentende que toda a criação foi colocada à disposição do ser humano, ou seja, é para o ser humano que Deus tudo criou (cf. Gn 2, 15.19-20). Em segundo lugar, porque à misericórdia de Deus pelo ser humano, o salmista dedicará toda a segunda parte do salmo.

Segunda parte (versículos 10 a 24)

Se a primeira parte foi dedicada a reconhecer a misericórdia de Deus manifesta na criação do mundo, a segunda é toda endereçada para a misericórdia que Deus revela quando salva toda a sua criação. Em outras palavras, esse salmo é uma grande catequese! O salmista ensina que aquilo que Deus criou, embora tenha sido alvo do pecado, foi salvo pelo próprio Deus! E tudo isso tão somente por misericórdia!

Apenas uma observação que se faz necessária nessa parte. Pode ser que alguém pergunte porque o salmista proclama a misericórdia de Deus em episódios de morte, como no extermínio dos primogênitos ou no afogamento de Faraó e seu exército nas águas do mar Vermelho, por exemplo? Deus não seria misericordioso com todo mundo? Bem, aqui não é essa a questão... A questão é que o povo de Deus manifesta crer que, de alguma forma, Deus teve compaixão deles e os acompanhou por todo o percurso da libertação do Egito. Esse evento era o que os judeus celebravam no dia de Pascoa! Portanto, no fundo, o salmista convida todos a reconhecerem que, em cada gesto da libertação do povo de Israel do Egito, Deus se mostrou misericordioso, ou seja, sentia junto com o povo suas dores e tristezas e, por isso, veio em socorro deles, libertando-nos da escravidão!

Se você acompanhou atentamente nossa reflexão, deve estar se perguntando sobre os versículos 1, 25 e 26. Pois bem. Aí está a beleza da composição do salmo. Eles servem como introdução (v. 1) e conclusão (v. 25-26) de toda esse hino à misericórdia. Basta colocá-los lado a lado para se ter a impressão que formam um único conjunto:

1 Dai graças ao Senhor , porque ele é bom,
porque eterna é a sua misericórdia!
25 Dá alimento a toda criatura,
porque eterna é a sua misericórdia!
26 Dai graças ao Deus do céu,
porque eterna é a sua misericórdia!

Somos, por tanto, motivados por esse trecho da Palavra de Deus, a procurarmos reconhecer a ação de Deus em nossa própria vida e na história de nossa família e do nosso povo. Sem dúvida alguma, ao tentarmos analisar nossa história, encontraremos "capítulos" um tanto difíceis... Com a história de Israel também não é diferente! Porém, a fé de Israel o levou a reconhecer, no final de tudo que, em verdade, o Senhor nunca os abandonou, que o Senhor conhece o coração de cada um!

Rezo para que agora seja a nossa vez, a minha e a tua, de nos convencermos disso!

Com afeto salesiano,
P. Mauricio Miranda.

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